domingo, 23 de janeiro de 2022

Por dentro do Transistor

 

No ano de 1948, cientistas da Bell Telephone Company, nos Estados Unidos, anunciaram a descoberta de um triodo semicondutor que tinha a surpreendente propriedade de controlar uma corrente elétrica entre seus eletrodos, da mesma maneira que um triodo a vácuo. O mundo científico e tecnológico foi avisado para ficar "de olho" no desenvolvimento dessa descoberta que poderia ter um alcance ainda incalculável na época, mas com possibilidades extraordinárias. Era o que hoje é conhecido como o transistor de pontas. Poucos meses depois foi produzido o primeiro transistor de junção, que rapidamente suplantou o transistor de pontas e é o tipo mais comum existente no mercado,hoje em dia. 

Já em 1952 era iniciada a produção de transistores em escala comercial. Como veremos a seguir, esta não foi uma tarefa simples. As variareis em jogo na operação de um transistor são enormemente mais complexas e delicadas que as envolvidas mesmo nos mais sofisticados pentodos a válvula. Graças a um estudo teórico realizado em paralelo,sobre a física de estado sólido envolvida nos semicondutores, foi possível compreender o relacionamento dessas variáveis e, como consequência, projetar e construir transistores eficientes com características reprodutíveis para a tenda comercial. Em 1956, John Bardeen, que iniciou esses estudos, William Schockley e W. Battain, os inventores, receberam o Prêmio Nobel de física em homenagem a descoberta deste pequeno componente que, desnecessário enfatizar, revolucionou completamente a indústria eletrônica. Os leitores  nascidos pouco depois do fim da 2a. grande guerra, ou mais velhos, certamente se lembrarão dos volumosos e bodosos aparelhos eletrônicos operados com válvulas, e poderão compará-los com seus equivalentes, simples e compactos, da era do transistor. 

Uma ironia constante na história da Humanidade é o surpreendente avanço tecnológico que se verifica nos períodos durante e imediatamente após uma guerra. Na história recente podemos citar, por exemplo, como consequência da 1a. guerra mundial o extraordinário progresso da aviação. Com a finalidade de construir aviões de combate velozes e seguros, uma grande massa de engenheiros e técnicos foi mobilizada, recebendo toda a sorte de incentivos. Seu legado para os tempos de paz foi uma tecnologia aeronáutica de alta qualidade que por sua vez possibilitou a construção de aviões comerciais e de passageiros como conhecemos hoje. Durante a 2a. guerra mundial, a necessidade de salvar as vidas dos combatentes feridos nas frentes de batalha, sujeitos a toda uma série de doenças infecciosas, motivou as pesquisas para a produção, em larga escala, das penicilinas. 

Outro exemplo notável é o dos foguetes. Desde a invenção da pólvora, pouco se tinha realizado neste campo além da construção de fogos de artifício e alguns rojões. As necessidades bélicas da Alemanha nazista, aliadas à capacidade de seus cientistas, levaram á construção das mortíferas bombas voadoras V-1 e V-2, equipadas com estabilizadores giroscópicos, capazes de atingir alvos distantes, na Inglaterra com grande eficiência. Após a guerra, as superpotências dividiram entre si a captura desses cientistas e do formidável arsenal tecnológico que eles haviam criado. Os resultados não tardaram. Apenas urna década de paz e os soviéticos haviam lançado o primeiro satélite artificial da Terra, dando os primeiros passos da era espacial. Foguetes de grande empuxo foram construídos nos Estados Unidos, levando o Homem à lua e sondas aos planetas próximos da Terra. 

Outra das consequências da 2a. grande guerra foi o desenvolvimento do radar. Esta invenção era conhecida já em meados dos anos 20, mas por não ter aplicação prática, ficou esquecida, até que a ideia de poder detetar a presença de aviões ou submarinos inimigos deu o estímulo necessário para o seu aperfeiçoamento. É bem possível que historiadores em épocas futuras tracem a origem do transistor diretamente aos esforços desenvolvidos para a construção do radar. 

Os aparelhos de radar operam a partir da emissão de ondas eletro-magnéticas de pequeno comprimento de onda (micro-ondas). Ao atingir um objeto metálico, as micro-ondas são refletidas de volta para a mesma antena que as enviou. Quando uma onda emitida é novamente captada, isto significa a presença de um objeto metálico qualquer (avião) cuja distância é possível calcular medindo-se o tempo que a onda leva para ir e voltar e sabendo a sua velocidade de propagação, que é a velocidade da luz. Associada a uma antena de grande poder, existem naturalmente muitos circuitos eletrônicos com amplificadores, retificadores etc. Sem entrar em detalhes sobre o funcionamento desta eletrônica, é possível compreender imediatamente uma das grandes dificuldades da operação dos circuitos utilizando diodos convencionais, a válvula. Isto é o fato de que o comprimento das ondas de radar era da ordem de centímetros, também a ordem de distância entre os eletrodos dos diodos. Como consequência, o tempo de trânsito de um elétron entre o catodo e o anodo se toma grande demais, pois, antes de atingir o anodo, a polaridade muda e a válvula não pode executar as suas funções. Para resolver este problema, foram introduzidos os diodos semicondutores em substituição aos diodos a válvula. Nestes, o tempo de trânsito não parecia oferecer problemas pois, como foi compreendido mais tarde, a espessura da junção é várias ordens de grandeza menor que o comprimento de uma micro-onda. Assim, pela primeira vez, um componente semicondutor revelou-se indispensável numa função dentro de um circuito eletrônico. Ao mesmo tempo, foram desenvolvidos esforços no sentido de produzir diodos numa escala que satisfizesse a demanda, ainda pequena, daquela época. 

Imediatamente após a guerra, a Bell Telephone Co., antevendo as extraordinárias possibilidades do emprego das micro-ondas nas telecomunicações, manteve o impulso inicial das pesquisas com materiais semicondutores. Como já dissemos, estas pesquisas acabaram levando à descoberta do transistor e à subsequente transformação radical verificada na eletrônica. Para sermos exatos, diríamos que a indústria eletrônica da era do transistor é dotada de uma estrutura totalmente diferente da antiga. As possibilidades são imensas. O advento dos computadores eletrônicos, por exemplo, só se tornou possível graças ao transistor. Um computador construído com válvulas é em princípio possível, mas seu tamanho e consumo de energia elétrica seriam fatores que o tornariam proibitivo, mesmo em escala experimental. 

Vamos, a seguir, procurar transmitir ao leitor iniciante os princípios da operação dos transistores. Para isto, será necessário explicar o funcionamento dos diodos semicondutores e também algumas noções simples da física que estarão, certamente, ao alcance de todos. 

O QUE SÃO SUBSTÂNCIAS SEMI-CONDUTORAS? 

A palavra semicondutor está sempre muito próxima da palavra transistor em todos os níveis da literatura, como o leitor já deve ter observado. Para compreendermos o funcionamento dos transistores será essencial estudarmos as propriedades dos materiais a partir dos quais eles são construídos, os materiais semicondutores. Com respeito a condutividade elétrica, podemos classificar a matéria em três grandes grupos: isolantes, condutores e semicondutores. Os isolantes possuem resistência muito alta e não conduzem, praticamente, corrente elétrica. Os condutores, por outro lado, conduzem bem correntes elétricas, havendo naturalmente diferentes resistividades para diferentes materiais. A platina, o cobre e também o alumínio são exemplos dos melhores condutores conhecidos. Devido à astronômica diferença entre o preço destas substâncias, a totalidade das redes de transmissão é construída com fiação de cobre ou alumínio.


Os semicondutores ocupam um lugar intermediário entre os isolantes e os condutores e a sua resistência depende muito da temperatura ambiente. Na figura 1, comparamos a dependência com a temperatura, da resistência de um condutor e a de um semicondutor. A resistência dos condutores aumenta lentamente com o aumento da temperatura, mas estas substâncias nunca deixam de ser condutoras, mesmo no limite das temperaturas muito altas. As substâncias semicondutoras, como por exemplo o germânio, selênio, óxido de cobre, galena e algumas outras, comportam-se, por outro lado, como isolantes a temperaturas extremamente baixas e como condutores cada vez melhores, à medida que a temperatura aumenta. importante ressaltar que esta propriedade só se observa num cristal semicondutor puro. Isto significa que a presença de outros tipos de átomos, mesmo em pequenas quantidades, pode eventualmente fazê-lo comportar-se como um condutor comum. Para po-der ser utilizado na confecção de um transistor, a pureza deve ser tão grande que não possa mesmo ser detectada por métodos químicos convencionais. Assim, a presença de um átomo de impureza para cada dez milhões é ainda uma concentração elevada demais. A maior quantidade de impurezas ainda aceitável num transistor é de um átomo para cada cem milhões. Em 1952, foi inventado nos laboratórios da Bell um processo que permitia a purificação de cristais de germânio até um grau de uma impureza para cada 1000 bilhões! O preço desses cristais torna-se em consequência um pouco mais caro que o do ouro, mas, 


como a quantidade de germânio utilizada para construir um transistor é pequena, o preço de cada unidade oscila em torno da casa das dezenas de cruzeiros. 

Passemos a examinar a maneira como os átomos de germânio interagem para formar um cristal. Na figura 2 temos uma representação esquemática de um átomo com seu núcleo e elétrons orbitais. O último (o mais externo) dos anéis de elétrons é responsável, como em todos os tipos de átomos, pelas ligações químicas com outros átomos ou com átomos da mesma espécie. No germânio e no silício, o número desses elétrons é quatro. Se este número fosse de oito, o átomo seria tão estável que não reagiria quimicamente com nenhum outro e seria encontrado na natureza em forma de gás. Seriam os chamados gases "no-bres". Por outro lado, se estes elétrons não existissem teríamos também um átomo estável com as mesmas propriedades. O estudo das propriedades químicas dos elementos é extenso e por isso não nos demoraremos mais na sua descrição. O ponto importante é que as ligações entre os átomos, para formar moléculas ou cristais, se dá somente de maneira a que o último anel de elétrons seja completado para formar uma configuração estável semelhante à do gás "nobre". Para o germânio e o silício faltam quatro elétrons. No caso do alumínio, faltam cinco, pois este átomo possui apenas tres elétrons no último anel. 
 

Para o arsênico faltam tres, pois ele possui cinco elétrons no último anel. O número de elétrons no último anel é chamado número de valência. O germânio e o silício tem valência quatro e o alumínio e o arsênico, valências tres e cinco, respectivamente. Na figura 3A, vemos uma representação esquemática de um cristal de germânio. Observemos como o átomo do centro resolve o seu problema de conseguir oito elétrons para o anel externo. Ele compartilha um dos elétrons de um átomo vizinho! Como isto só traz um elétron, são necessários quatro átomos para completar os oito necessários, como o leitor poderá contar. Os átomos vizinhos tem o mesmo problema, que é resolvido da mesma maneira com outros átomos; um deles é o átomo do centro e outros tres não mostrados na figura. Este arranjo se repete indefinidamente, formando o que é chamado um cristal. Vale ressaltar que os elétrons compartilhados ficam pertencendo a dois átomos, simultaneamente. Esta não é a solução ideal, evidentemente, porque os átomos dependem uns da presença dos outros para conseguir a estabilidade. Mas, nada na vida é perfeito. A nobreza é privilégio de poucos e os átomos comuns devem cooperar uns com os outros. Por outro lado, só a partir deles os transistores podem ser construídos. 

Na verdade, em temperaturas nor-mais,os átomos de um cristal não estão parados, mas vibram permanentemente 


em torno das suas posições de equilíbrio. Para temperaturas maiores, esta vibração é maior e acaba ocasionando a ruptura das ligações entre os átomos, resultando na libertação de um elétron que poderá agora vagar pelo cristal, podendo também conduzir corrente elétrica (fig. 3 B). O número destas ligações rompidas, e portanto o número de elétrons livres, aumenta, à medida que a temperatura aumenta o que explica o fato da resistência dos semicondutores diminuir com a temperatura. A ligação que estava preenchida pelo elétron fica agora vazia ou com uma lacuna, a qual podemos imaginar como uma partícula de carga positiva. Como num cristal existem muitos átomos, existirão também muitos elétrons livres e um número de lacunas igual ao de elétrons livres. Eventualmente, um elétron pode ocupar o lugar de uma lacuna. Este processo é chamado recombinação. 


Para conseguir o efeito desejado de um semicondutor, utilizamos um pequeno truque. Vamos imaginar que um dos átomos de germânio do cristal seja substituído por um de outra espécie, por exemplo o arsênico (As) cuja valência é cinco (figura 4A) . Este processo de colocação de impurezas é chamado dopagem e deve ser feito controladamente, pois as características de um transistor vão depender diretamente da concentração de impurezas em seu meio. Ora, o arsênico possui os quatro elétrons de valência necessários aos átomos vizinhos e ainda um a mais, que não é utilizado em nenhuma ligação. Este elétron em excesso pode conduzir corrente, com a vantagem de não existir a lacuna correspondente, não podendo haver, portanto, a recombinação e o seu subsequente desapareci-mento. O arsênico é chamado de impureza doadora, pois além de completar as ligações com os átomos de germânio, ainda doa um elétron, que se movimenta com liberdade pelo interior do cristal. Num cristal deste tipo, dopado com uma impureza pentavalente, a condução elétrica é feita pelos elétrons em excesso. Convencionaremos chamá-lo de cristal tipo N para lembrar que os portadores de carga são negativos. 

Outra possibilidade interessante é fazer a dopagem com impurezas trivalentes, por exemplo o alumínio (AI). Neste caso, vai faltar um elétron numa das ligações. Este elétron deverá vir de outro lugar do cristal, isto é, de uma ligação normal entre átomos de germânio, rompida por efeitos térmicos. 

As impurezas trivalentes são também chamadas aceita-
 

docas, porque aceitam elétrons. A situação é exatamente como no cristal de tipo N, exceto que são criadas lacunas, ao invés de elétrons, livres. Estas lacunas se movimentam como se fossem partículas de carga positiva, conduzindo corrente elétrica. O movimento de uma lacuna numa direção qualquer é eletricamente equivalente ao movimento de um elétron na direção oposta. Um cristal assim dopado será chamado tipo P (portadores de carga positivos), (figura 4B). Não devemos esquecer que em ambos os casos o cristal é eletricamente neutro, isto é, a quantidade de cargas positivas é exatamente igual à das cargas negativas. No cristal do tipo N, para exemplificar, aparece um elétron livre, mas o núcleo do átomo de arsênico possui uma carga positiva a mais. Enquanto os elétrons podem se movimentar à vontade, a carga positiva fica fixa junto com o átomo da impureza. A situação inversa é observada no cristal P.  

COMO OPERAM OS DIODOS RETIFICADORES 

Vamos estudar agora como funciona um diodo retificador. Juntemos um pedaço de cristal do tipo P com outro do tipo N como na figura 5. O que acontece? Em ambos os cristais temos cargas elétricas fixas (nos núcleos das impurezas) e cargas livres, lacunas no tipo P e elétrons no tipo N. Quando juntamos os dois, uma parte das lacunas do cristal P tem agora a possibilidade de recombinar com os elétrons do cristal N. Após um período de equilíbrio teremos uma pequena região, denominada junção, onde existe de fato carga elétrica não neutralizada, negativa do lado P e positiva do lado N. Estas cargas não podem se recombinar pois estão fixas na estrutura cristalina. Sua presença nesta região cria uma diferença de potencial elétrico através da junção, como numa pilha comum. Dito de outra maneira, temos uma região onde existe campo elétrico. O campo, por convenção, aponta na direção da seta, das cargas positivas para as negativas. A direção do campo é a direção da força elétrica que age sobre uma carga positiva. Para uma carga negativa, a força é no sentido contrário à seta. Isto explica porque nem todas as lacunas e elétrons podem recombinar. A medida que o equilíbrio vai sendo atingido, o campo elétrico vai se tornando progressivamente mais intenso e é cada vez mais difícil para uma lacuna ou um elétron vencê-lo. Na figura 6 vemos um gráfico do potencial elétrico na região da junção, bem como o respectivo campo. 

Vamos agora ligar uma bateria com o polo positivo na região P e o polo negativo na região N (figura7). 

A bateria vai diminuir a diferença de potencial através da junção, ou dito de outra forma, estabelecer um campo elétrico de direção oposta ao que havia inicialmente. Por isso, as la-cunas da parte P e os elétrons da parte N vão caminhar na direção do polo negativo e positivo, respectivamente. Alguns irão certamente recombinar mas, enquanto isso, outros pares elétron-lacuna serão injetados pela bateria e o efeito resultante é a passagem de corrente elétrica pelo circuito todo. Esta corrente vale I = V/R aproximadamente, se desprezarmos a resistência interna do conjunto medidor-pilha e do próprio diodo, o que é válido, se R for bem grande. Nestas condições, o diodo está polarizado diretamente. 

Se, por outro lado, ligarmos o polo positivo na região N e o negativo na região P, o campo elétrico imposto pela bateria vai reforçar o campo existente na junção, ou seja, a diferença pie potencial através desta vai aumentar ainda mais. Por isso, não haverá passagem de corrente pelo circui-to. A polarização do diodo deste modo é chamada polarização inversa. Temos aqui uma boa maneira de lembrar de cabeça as regras de condução por um diodo: se ligamos o polo positivo na região P o diodo conduz. Caso contrário, ele bloqueia a passagem de cor-rente. Se ao invés da bateria, ligamos através do diodo uma fonte de tensão alternada, ele só permitirá circulação de corrente numa parte do ciclo. Devemos ressaltar, antes de prosseguir, que, um diodo construído, ao se juntar dois pedaços de cristal com impurezas diferentes, simplesmente não vai funcionar. As duas regiões devem estar presentes num único pedaço de cristal. Isto se consegue dopando primeiramente um dos lados com impurezas doadoras e a seguir o outro, com impurezas aceitadoras. 

Uma das limitações dos transistores que não encontra analogia nos triodos a válvula é o fato de que, mesmo submetido a uma polarização inversa, observa-se a passagem de uma pequeníssima corrente, chamada corrente inversa. Ela é devida a uma pequena fração dos portadores que conseguem, devido à acumulação de energia térmica, vencer a barreira de potencial. Esta corrente aumenta rapidamente com o aumento da tempera-


tura podendo prejudicar o rendimento dos circuitos. Este é o motivo pelo qual os grandes computadores, que contém milhares de transistores e circuitos integrados, devem funcionar em ambientes com ar condicionado e boa ventilação. O leitor talvez já tenha observado também que os rádios dos automóveis apresentam péssimo som se forem deixados muito tempo ao sol com as janelas fechadas. O motivo é o mesmo. Quando o automóvel começa a andar, a temperatura normal é rapidamente restabelecida e o rádio volta novamente a funcionar. 

OS TRANSISTORES 

Estamos agora em condições de compreender o processo de amplificação utilizando transistores. Um transistor é construído com duas junções de dopagem diferente num único pedaço de cristal. Na figura 8 vemos um transistor do tipo PNP. Chamaremos o cristal P da esquerda de emissor. A região central, N, chamaremos base e a região P da direita, coletor. Numa configuração normal, a junção emissor-base é polarizada diretamente e a corrente através do resistor Re será dada por Ie = V1 / Re. Esta é também a corrente que atravessa a base, lb = Ie.  A junção coletor-base é polarizada inversamente e portanto a corrente será nula através do resistor Rc (Ic = 0), a menos da corrente inversa, que é pequena. O campo elétrico nas duas 



junções está indicado. Como a base é grossa demais, não haverá campo elétrico no seu interior, mas apenas através das duas junções. Vamos imaginar agora que a espessura da base seja bem pequena. As duas junções ficarão tão próximas uma da outra que não haverá, no interior da base, nenhuma região onde o campo elétrico seja nulo. Como consequência disto, a maior parte dos portadores de carga, oriundos do emissor, preferem continuar sob a ação do campo elétrico e são injetados no coletor. Este é o ponto crucial. Se a base é fina, a corrente de coletor já não será mais nula, mas será quase igual à corrente de emissor. Podemos escrever Ic = α le, onde α é uma constante para cada tipo de transistor e é, em geral, um pouco menor que a unidade. A corrente de base é bem pequena e pode ser cal-culada, pois sabemos que a corrente injetada no coletor irá se dividir na corrente de base e na de coletor, isto é: 

 le = lc + lb ou Ic / α = Ic + lb, 

usando a relação acima. Daqui sai, com um pouquinho de álgebra: 

Ic = (α / 1 - α) lb ou lc = ( β Ib com β = α / (1 - α

Tomemos um transistor típico com a = 0,95. O fator será da ordem de 50, o que significa que a corrente de base será amplificada 50 vezes. Ic= 50 lb. A queda de tensão sobre o resistor Rc será Ic Rc, o que é quase le Rc, pois Ic é praticamente igual a le. Sobre o resistor Re a queda é le Re e portanto o ganho de tensão é 

le Rc / le Re = Rc / Re 

e será maior que 1 se Rc for maior que Re. Se colocarmos em série com a bateria V1 uma pequena fonte de tensão variável, como, por exemplo, um microfone, poderemos movimentar um alto falante, na saída do coletor, o que seria impossível sem a amplificação executada pelo transistor. Se um transistor é insuficiente para isto, podemos colocar um segundo estágio, fazendo com que a corrente de coletor do primeiro transistor passe pelo circuito de base do segundo, e assim por diante. 

Os transistores NPN operam segundo os mesmos princípios exatamente; apenas as polaridades são invertidas. Na figura 9 mostramos a simbologia utilizada nos circuitos eletrônicos para indicar as regiões de um transistor. 

Vamos finalizar, fazendo uma rápida comparação entre os transistores e as válvulas. A diferença mais evidente é certamente o tamanho. Na verdade o volume útil de um transistor não é muito maior que a ponta de uma agulha! Para enxergarmos o cristal de germânio e suas ligações é necessária uma lupa poderosa ou um pequeno microscópio. Os transistores comerciais são envolvidos, após a fabricação, com uma capa de plástico para proteção. No seu interior, o cristal está montado sobre um pequeno dissipador de calor. Mesmo assim, a di-ferença de tamanho é considerável. Por outro lado, os transistores não suportam correntes muito altas. Muitas vezes é necessária a utilização de válvulas em alguns circuitos, por este motivo. Outra limitação dos transistores, como já dissemos, é a existência da corrente inversa. Esta deve ser conhecida, em função da temperatura, para executar um projeto perfeito de um sistema qualquer. Nos circuitos muito delicados, a temperatura do ambiente deve ser controlada, o que envolve despesas adicionais na instalação. Não é necessário insistir no fato de que, apesar destas pequenas desvantagens, os transistores são mais práticos e em consequência, preferidos para a maioria das aplicações. Por último, devemos comparar o consumo de energia para a operação das válvulas e transistores. As válvulas exigem o aquecimento de um catodo, o que é feito por um filamento que consome uma notável quantidade de energia elétrica. Nos transistores, por outro lado, não existe um equivalente do filamento. Eles não precisam ser aquecidos para funcionar e por isso, com exceção de uma pequeníssima potência desperdiçada devido á resistência intrínseca (própria) do cristal, não consomem energia elétrica para sua operação. Numa época em que as atenções estão voltadas para o excessivo consumo das nossas já escasseantes reservas energéticas, o transistor dá uma grande contribuição. Alguns analistas políticos já sugeriram que a 3ª guerra mundial será motivada pela necessidade que as nações, tanto desenvolvidas, como em desenvolvimento, tem do petróleo para movimentar o seu parque industrial. Vamos torcer para que o aperfeiçoamento de novas fontes de energia possa ser efetivado desta vez sem o grande flagelo da guerra. 




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