Julio Cezar Adamowski
Professor Titular do Departamento de Engenharia Mecatrônica e de Sistemas Mecânicos
Escola Politécnica da USP
Celso Massatoshi Furukawa
Professor Doutor do Departamento de Engenharia Mecatrônica e de Sistemas Mecânicos
Escola Politécnica da USP
A Mecatrônica pode ser definida como a integração de Mecânica, Eletrônica e Computação de forma concorrente. Essa combinação tem possibilitado a simplificação dos sistemas mecânicos, a redução de tempos de desenvolvimento e custos, e a obtenção de produtos com elevado grau de flexibilidade e capacidade de adaptação a diferentes condições de operação. Os conceitos de Mecatrônica podem ser empregados numa vasta gama de aplicações, sendo que este artigo é focado na área de Automação Industrial.
INTRODUÇÃO
O mundo vem presenciando nos últimos anos o avanço vertiginoso da Microeletrônica, num ritmo que até o momento não tem dado sinais de desaceleração. Como resultado, são obtidos circuitos eletrônicos cada vez mais rápidos e poderosos, mas paradoxalmente cada vez menores, mais baratos e econômicos. Associados diretamente à Microeletrônica, o computador digital e as Ciências da Computação também se desenvolvem rapidamente, num círculo virtuoso em que computadores mais poderosos favorecem o desenvolvimento de aplicações mais complexas, que por sua vez exigem cada vez mais poder computacional.
Apesar desses resultados estarem causando uma ampla revolução tecnológica na Engenharia e na sociedade em geral, quando são associados à sistemas mecânicos é que se observa um maior impacto nos sistemas produtivos e no cotidiano das pessoas.
Não é de hoje que componentes eletrônicos (tais como sensores, atuadores eletro-mecânicos e circuitos de controle) são utilizados no controle e acionamento de sistemas mecânicos. No entanto, foi o recente desenvolvimento dos circuitos integrados que possibilitou a produção em larga escala e baixo custo de microprocessadores dedicados conhecidos como microcontroladores. Hoje esses dispositivos eletrônicos estão presentes não apenas em máquinas e equipamentos industriais mas também nos automóveis, nas máquinas de lavar roupas, nos sistemas de ar condicionado, aparelhos de vídeo, etc. Os sistemas mecânicos sofreram profundas modificações conceituais com a incorporação da capacidade de processamento, o que permitiu torná-los mais rápidos, eficientes e confiáveis, a custos cada vez menores.
No Japão, a combinação bem sucedida de Mecânica, Eletrônica e Processamento Digital em produtos de consumo recebeu o cognome de Mecatrônica no final da década de 70. A figura 1 representa de forma genérica um sistema mecatrônico. Os sensores captam as informações do mundo físico que são processadas digitalmente, resultando em ações de controle. O sistema de controle age sobre o sistema físico através de atuadores. Disto resulta um sistema realimentado, que pode representar sistemas com níveis variados de complexidade.
Essa combinação pode gerar uma gama muito ampla de aplicações, de tal forma que o termo Mecatrônica pode ser interpretado de formas diferentes dependendo da aplicação em questão. Este artigo tem seu foco na Automação Industrial, com particular ênfase na indústria de manufatura. Este é o foco adotado no curso de Engenharia Mecânica com habilitação em Automação e Sistemas da Escola Politécnica da USP (EPUSP), com o qual os autores se encontram envolvidos (Cozman, 2000).
Figura 1 - Sistema Mecatrônico |
MECATRÔNICA
Muitos engenheiros consideram que a Mecatrônica surgiu com o desenvolvimento dos robôs. Os projetos na área de Robótica impulsionaram o desenvolvimento de outras áreas, tais como o controle realimentado a partir da fusão de informações sensoriais, tecnologias de sensores e atuadores, programação de alto nível, cinemática e dinâmica. O grande avanço na área de Robótica somente foi possível com o surgimento do microprocessador, pois o controle de trajetória dos robôs articulados envolve cálculos complicados que devem ser realizados em tempo real.
Segundo Schweitzer da ETH de Zurich (1996), Mecatrônica é uma área interdisciplinar que combina a Engenharia Mecânica, a Engenharia Eletrônica e Ciências da Computação.
Van Brussel, da Universidade Católica de Leuven (1996), considera Mecatrônica como a combinação de Engenharia Mecânica, Engenharia de Controle, Microeletrônica e Ciência da Computação, numa abordagem de engenharia concorrente, isto é, deve-se ter uma visão simultânea das possibilidades nas diferentes disciplinas envolvidas, em contraste com as abordagens tradicionais que geralmente tratam os problemas separadamente.
Salminen, da empresa FIMET da Finlândia (1992), define Mecatrônica como sendo a combinação de mecânica e eletrônica para melhorar a operação em vários aspectos, aumentar a segurança e reduzir custos de máquinas e equipamentos. Presume-se que o autor considera a Computação como parte da Eletrônica.
Acar, da Universidade de Loughborough na Inglaterra (1996), considera a Mecatrônica como uma filosofia de projeto, baseada na integração de Microeletrônica, Computação e Controle em Sistemas Mecânicos, para se obter a melhor solução de projeto e produtos com um certo grau de “inteligência” e “flexibilidade.
Existem vários outros artigos que discutem a definição de Mecatrônica (Ashley, 1997), porém verifica-se que o ponto comum à maioria das abordagens é, mais que a simples soma, a integração de diferentes tecnologias.
A partir de meados da década de 80, países como Austrália, Japão, Coréia do Sul, além de alguns países Europeus, iniciaram a criação de cursos de graduação e pós-graduação voltados ao ensino multidisciplinar de Mecatrônica (Acar, 1997).
Nos Estados Unidos não foram criados cursos específicos de Engenharia Mecatrônica, porém foram introduzidas, nos currículos dos cursos de graduação, disciplinas que apresentam o conceito de Mecatrônica (Ashley, 1997). Na grande maioria das Faculdades de Engenharia dos EUA, as modificações foram feitas nos cursos de Engenharia Mecânica, com disciplinas que abordam a integração de Mecânica, Eletrônica e Computação, para o desenvolvimento de componentes e máquinas.
Na Finlândia foi introduzido em 1987 um programa especial de pesquisa em Mecatrônica com a participação de quatro universidades técnicas. Este programa contou com um orçamento de 6,5 milhões de dólares até 1990, e a participação de aproximadamente 80 indústrias atuando em setores estratégicos (máquinas para fabricação de papel, telefonia móvel, máquinas florestais, robôs especiais) (Salminen, 1996). O programa atingiu o objetivo de difundir os conceitos de Mecatrônica nas indústrias e em 1995 um novo programa foi introduzido, com horizonte de quatro anos e um orçamento de 20 milhões de dólares, envolvendo envolvendo universidades, centros de pesquisa e indústrias, com novos temas na área de Mecatrônica.
Na Inglaterra, a comunidade envolvida com Mecatrônica só recebeu aceitação oficial em 1990 com a criação de um Fórum de Mecatrônica apoiado pelo IEE (Institute of Electrical Enginners) e o MechE (Institute of Mechanical Engineers) (Hewit, 1996).
No Brasil, o primeiro curso de graduação em Mecatrônica surgiu no final da década de 80, como uma iniciativa pioneira da Escola Politécnica da USP. O curso, denominado Automação e Sistemas, foi implementado no Departamento de Engenharia Mecânica, aproveitando-se o núcleo do curso de Engenharia Mecânica, ao qual se introduziram disciplinas novas de Eletrônica e Computação (Cozman, 2000). Este curso foi iniciado em 1988 e já formou cerca de 450 engenheiros até o final de 2000.
CONCEITOS DE MECATRÔNICA
Atualmente a Mecatrônica é entendida como uma filosofia relacionada à aplicação combinada de conhecimentos de áreas tradicionais como a Engenharia Mecânica, Eletrônica e Computação de forma integrada e concorrente, conforme mostra a figura 2. Uma combinação para ser concorrente deve extrair o que há de mais adequado em cada uma das áreas, de tal forma que o resultado final é mais do que a simples soma de tais especialidades, mas sim uma sinergia entre elas.
Figura 2 - Uma representação esquemática da Mecatrônica. |
O conceito de Mecatrônica representa a combinação adequada de materiais (resistência dos materiais, comportamento térmico, etc.), mecanismos (cinemática, dinâmica), sensores, atuadores, eletrônica e processamento digital (controle, processamento de sinais, simulação, projeto auxiliado por computador), possibilitando as seguintes características:
a) No projeto:
- simplificação do sistema mecânico;
- redução de tempo e de custo de desenvolvimento;facilidade de se introduzir modificações ou novas capacidades;
- flexibilidade para receber futuras modificações ou novas funcionalidades.
b) No produto:
- flexibilidade de operação: programabilidade;
- inteligência: capacidade para sensoriar e processar informações para se adaptar a diferentes condições de operação;
- auto-monitoração e prevenção ativa de acidentes;
- auto-diagnóstico em caso de falhas;
- redução do custo de manutenção e consumo de energia;
- elevado grau de precisão e confiabilidade.
Vejamos alguns exemplos de como esses resultados são possíveis, dentro da área de Automação Industrial.
Sistemas tais como máquinas ferramentas e máquinas de manufatura em geral eram compostos por mecanismos para sincronização de movimentos e normalmente acionados por um só atuador (em geral, um motor elétrico). A grande complexidade dos mecanismos exigia precisão elevada para diminuir folgas e dispositivos de lubrificação para reduzir atritos. Essas máquinas sofreram um grande desenvolvimento, com a introdução do controle numérico computadorizado (CNC), possibilitando a obtenção de peças com formas tridimensionais complexas. Os Controladores Lógicos Programáveis (CLP) possibilitaram grandes modificações na indústria com a automação de processos, melhorando o desempenho e a qualidade dos produtos.
A utilização de mecanismos elásticos tem se tornado uma realidade e possibilita a eliminação de juntas articuladas, por exemplo. Estruturas flexíveis podem ser controladas, através de sensores e atuadores montados ao longo dessas estruturas, passando a apresentar comportamentos desejados, como por exemplo, maior rigidez e eliminação de modos de vibração.
As aplicações de computação em Engenharia Mecânica evoluíram a partir do início da década de 80 com a evolução vertiginosa do poder de processamento dos computadores, acompanhado por um imenso declínio de preços. Antes disso, programas para análise estrutural, térmica ou fluida eram rodados em computadores tipo main frame com entrada de dados em cartões perfurados e saídas em forma de listagens. Atualmente esses programas de análise oferecem excelentes interfaces gráficas para o usuário, tanto relacionadas à entrada de dados como apresentação dos resultados. Hoje, modelos matemáticos sofisticados e cada vez mais complexos podem ser simulados mesmo em computadores pessoais.
NÍVEIS
Para alguns, Mecatrônica é o conceito de engenharia integrada que utiliza CAD e CAM para gerar um produto complexo como, por exemplo, um robô. Um engenheiro de produção, por outro lado, pode entender a Mecatrônica como sendo a implementação de um sistema flexível de manufatura. Um engenheiro, ao projetar uma câmara de vídeo, pode entendê-la como a utilização de eletrônica numa aplicação Mecânica. Já um engenheiro químico pode entender a Mecatrônica como o controle de um processo químico utilizando sensores e atuadores, controlados por um processador digital. Provavelmente todos estão corretos, pois a Mecatrônica está presente em diferentes níveis.
Neste artigo são definidos os seguintes níveis:
Componente (por exemplo, circuitos integrados, sensores, atuadores, mecanismos);
Máquina (máquinas de usinagem, medição, inspeção, movimentação, embalagem);
Sistema (FMS - flexible manufacturing system, FAS - factory automation system, CIM - computer integrated manufacturing).
A atuação profissional nos diferentes níveis está relacionada com o grau de compreensão exigido dos fenômenos físicos envolvidos: quanto mais próximo, maior deve ser o domínio sobre eles. O nível de componente exige o maior grau de domínio, enquanto que o nível de sistema requer o menor. Desta forma, conforme nos distanciamos do nível físico, diminuisse a complexidade física envolvida devido ao aumento do nível de abstração. Por outro lado aumenta também a complexidade lógica do sistema, exigindo maior poder de processamento para lidar com uma maior quantidade de informação. É o que ilustra a figura 3.
Figura 3 - A comp5lexidade física é maior no nível de componente,
enquanto que a complexidade lógica é maior no nível de sistema
|
No caso de um sensor de temperatura, por exemplo, precisamos ter conhecimento dos fenômenos físicos que podem ser utilizados para realizar a medida (variação de resistência, dilatação térmica, junção termo-par, etc), as vantagens e desvantagens de cada um, as condições em que a medida deverá ser feita (tempo de resposta, faixa de temperatura, precisão e condições ambientais adversas), e a eletrônica necessária para condicionar o sinal e permitir a sua leitura. No caso extremo do projeto de um sensor desse tipo, a informação desejada é o valor real de uma temperatura, e seu processamento envolve a transdução para um sinal elétrico.
No noutro extremo, um sistema de automação de fábrica (FAS) deve lidar com informações bastante abstratas, tais como adequação de estoques, capacidade produtiva das máquinas, previsões de demanda, escalas de manutenção, possibilidade de falhas, limites de consumo de energia, etc. A geração de um planejamento otimizado de produção (o que produzir, quando e como) e o posterior controle da produção (com correções ocorrendo ao longo do trabalho) exige o conhecimento preciso e instantâneo de todas estas variáveis e de muitas outras mais, além de envolver algoritmos sofisticados para tomada de decisões.
DISCUSSÃO
O ponto importante do conceito e da filosofia de Mecatrônica é a combinação concorrente da Mecânica, Eletrônica e Computação, de forma integrada para se obter, no produto, características, tais como, flexibilidade e inteligência, e no projeto, sistemas mecânicos mais simples, redução de custos e facilidade para se introduzir modificações.
Os grandes desafios impostos pela Mecatrônica são: atualização constante e projetos visando a integração de conhecimentos de diferentes áreas.Os meios de comunicação têm acompanhado esta evolução e a Internet tem possibilitado consulta rápida a fornecedores e fabricantes de componentes, máquinas e sistemas. A integração, sendo uma característica dos projetos em Mecatrônica, exige do profissional não apenas um conhecimento técnico abrangente, mas também a habilidade para trabalhar em equipe, uma vez que seria muito difícil um único profissional ter domínio total sobre todas as áreas envolvidas.
O rápido desenvolvimento científico e tecnológico que estamos presenciando inviabiliza a formação de profissionais com profundo domínio de todas as especialidades que compõem a Mecatrônica, exigindo que a educação ocorra de forma continuada mesmo após a conclusão do curso.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1. Acar M., Parkin R.M., Engineering Education for Mechatronics, IEEE Transactions on Industrial Electronics, vol. 43, no. 1, p.106-112, 1996.
2. Acar M., Mechatronics Challenge for the Higher Education World, IEEE Transactions on Components, Packing, and Manufacturing Technology, vol. 20, no. 1, p.14-20, 1997.
3. Ashley S., Getting a Hold on Mechatronics, Mechanical Engineering, ASME, maio de 97, p. 60-63, 1997.
4. Cozman F.G., Furukawa C.M., A Reestruturação Curricular do Curso de Mecatrônica da Escola Politécnica, Anais do COBENGE 2000, Ouro Preto, MG, out. 2000.
5. Hewit, J.R. & King, T.G., Mechatronics Design for Product Enhancement, IEEE/ASME Transactions on Mechatronics, vol. 1, no. 2, p.111-119, 1996.
6. Salminen V., Ten Years of Mechatronics Research and Industrial Applications in Finland, IEEE/ASME Transactions on Mechatronics, vol. 1, no. 2, p.103-105, 1996.
7. Van Brussel H.M.J., Mechatronics – A Powerful Concurrent Engineering Framework, IEEE/ASME Transactins on Mechatronics, vol. 1, no. 2, p.127-136.
Nenhum comentário:
Postar um comentário