segunda-feira, 30 de abril de 2012

Disputa que gera faísca

Peça e ópera resgatam a história da guerra entre Thomas Edison e Nikola Tesla sobre eletricidade

THOMAS EDISON:
o polêmico inventor da lâmpada elétrica

Difícil saber como apresentar Thomas Alva Edison. O inventor americano criou a lâmpada elétrica, o fonógrafo e o projetor de cinema. Registrou 1.069 patentes - um recorde ainda não superado. Aperfeiçoou o telefone. Foi o gênio de seu tempo. Vaidoso, obcecado por fama e dinheiro, Edison ostentou o quanto pôde essas credenciais e relegou à sombra outras mentes brilhantes da virada do século XIX para o XX. Só um cientista ousou rivalizar pelos holofotes. Nikola Tesla, imigrante sérvio, excêntrico como o seu ídolo, também estudioso de eletricidade, igualmente ambicioso e à frente de sua época Tesla e Edison cultivaram um relacionamento espinhoso, marcado por calúnias e calotes, brigas por jornais e até um invento involuntário, a cadeira elétrica. Quase 130 anos depois do duelo, ambos voltam a disputar a atenção do público. Edison é tema de uma peça carioca, "A Eva futura", em cartaz o Teatro do Sesi, no Centro do Rio, até dia 13 de março. Já Tesla vai inspirar uma ópera, concebida pelo cineasta americano Jim Jarmusch, ainda sem data para estrear.

NIKOLA TESLA:
o excêntrico defensor da corrente alternada
A disputa dos inventores, que teve como palco a Nova York dos anos 1880, ficou conhecído como "guerra das correntes". O ba­tizado veio por conta da bandeira de cada oponente. Edison, gênio reconhecido mundo fora, defendia a corrente contínua, forma de eletricidade onde os elétrons fluem sempre na mesma direção. Tesla, ainda um anônimo, trabalhava para viabilizar a corrente alternada, em que a energia muda constantemente de rumo.

Calote provocou rivalidade entre os dois 

Até o sérvio entrar em evidência, a corrente aIternada era pouco mais do que uma miragem para a ciência. Parecia impossível construir um computador que controlasse a constante mu­dança de direção dos elétrons. Tesla assinou o feito. Faltava apenas fazer sua ideia ganhar o mundo. E ninguém melhor para tirar um plano papel do que Thomas Edison - que gerava tamanho fascínio que tomou-se protagonista do romance "A Eva futura" (1886), de Villiers de L'isle-Adam, o texto encenado no Teatro Sesi. Na obra Edlson é quase um semideus, um gênio capaz de criar até androides. 
Foi um encontro de opostos. Tesla chegou a Nova York, em 1884, apenas com a roupa do corpo e quatro centavos no bolso. Edison era o dono de uma companhia de eletricidade. O sérvio era poliglota, solene e orgulhoso de seus livros. O americano abolia a educação formal. Orgulhava-se de nunca ter entrado numa sala de aula (o que era mentira; foi à escola, mas, devido a seu comportamento inquieto, acabou expulso). Mas recebeu calorosamente e contratou aquele estranho, cujo contato fora tão recomendado por um amigo em comum. 
A camaradagem não foi longe. Pouco depois do encontro, Edison lançou um desafio à Tesla que nem mesmo ele conseguiria cumprir: sincronizar os geradores que forneciam luz a 400 lâmpadas, espalhadas entre teatros e escritórios. Se cumprisse a missão, Tesla levaria 50 mil dólares - uma fortuna para a época. 
O sérvio dedicou-se de forma quase doentia à missão. Ficou, diversas vezes, mais de 24 horas seguidas trabalhando. Abandonou projetos particulares. Um ano depois, para sur­presa de Edison, cumpriu o desafio. Só não contava com a sovinice do patrão. Quando lhe cobrou o prêmio, recebeu uma reprimenda por não ter percebido que a promessa, na verdade, era uma brincadeira: "Tesla, você não entende o humor, americano." 
- Eles jamais voltaram a se entender­ - conta Antônio Carlos Moreirão, professor do programa de Engenharia Elétrica da Coppe-UFRJ, consultor científico da peça. - Tesla desenvolveu o sistema de corrente alternada e atraiu a atenção de um empresário, George Westinghouse. Agora ele conseguia distribuir energia a distâncias muito maiores do que as permitidas pelo método de Edison. 
A corrente alternada passou de impossível à melhor alternativa. E Westinghotise, o mecenas de Tesla, gabava-se disso em público. Em 1888, o empresário publicou artigo no "New York Times" alardeando que sua companhia de eletricidade vendera 48 mil lâmpadas em outubro daquele ano - 4 mil a mais do que Edison. 
O americano não assistiu passivamente a tal avanço. Para minar o concorrente, espalhou que a corrente alternada era um atentado à segurança. Coube a um fiel ex-funcionário, o en­genheiro Harold Brown, disseminar o pânico. 
Brown não poupou. esforços para agradar Edison. Nem animais. Sua tática preferida era eletrocutar cachorros em praças. Para isso, usava corrente alternada - a única que, segundo ele, provocava acidentes fatais. 
"Tenho repetidas vezes enviado cachorros para a eternidade com correntes alternadas de não mais que 500 volts", costumava dizer. Poucas vezes Brown usava verbos como "matar" ou "eletrocutar". Em "homenagem" ao seu rival, criou um neologismo: "Nós vamos 'westinghouse' este cão". 
Em determinado momento - e talvez para chocar mais seu público - Brown largou as execuções caninas. Entre suas novas vítimas, estava Topsy, uma elefanta domesticada do circo Forepaugh, eletrocutada por ter matado três homens. Mas talvez o condenado mais famoso tenha sido Willian Kremmler.
Em março de 1889, Kremmler matou sua namorada com 26 golpes de machado na cabeça. A selvageria fez seu nome ser o primeiro lembrado quando, no ano seguinte, a superintendência de penitenciárias de Nova York tornou-se a primeira no mundo a adotar a pena de morte por cadeira elétrica. O novo modelo de execução teve, por trás dos panos, um entusiasmado patrocínio de Edison. Afinal, a condenação teria o sustento de uma corrente alternada. Seria a chance de mostrar a todos como o sistema de Tesla era perigoso. 
Este pode ter sido o estopim da guerra das correntes - a invenção da cadeira elétrica. Nos anos seguintes, Edison já não estava mais em sua fase áurea; ainda assim, morreu rico e conhecido. Tesla, também endinheirado e respeitado, trilhou caminho oposto, até perder dinheiro e dever sua fama quase unicamente a ideias bizarras, que só ele levava a sério. 
Tesla já era repleto de manias que pareciam depor contra sua sanidade. Tudo ao redor tinha de ser divisível por três - da forma de andar ao número dos quartos em que se hospedava. Detestava qualquer contato físlco: para não apertar a mão das pessoas, alegava ter sofrido algum acidente em seu laboratório. A possibilidade de pas­sar as mãos nos cabelos de alguém era algo particularmente perturbador para ele. 
A essas estranhezas, juntava-se agora o seu brllhantismo. Tesla acreditava ser capaz de provar a existência da vida em Marte. Também expôs seus planos para criar uma máquina de fotografar pensamentos. Entre seus projetos desacreditados, porém, o mais conhecido era o raio da morte - um instrumento militar que seria capaz de destruir 10 mil aviões inimigos a 400 quilômetros de distância.
"(...) com sua insaciável tendência a apresentar suas ideias a qualquer jornalista que lhe garantisse um destaque em seu jornal e um pagamento razoável, Tesla podia ser levado a dizer quase qualquer coisa", escreveu o britânico Michael White, no livro "Rivalidades produtivas" (ed. Record). "Naturalmente, isto diminuía seu capital e prejudicava sua imagem". 
- Tesla era um sujeito um tanto desequilibrado: depois de um certo tempo, ninguém o levou a sério - acrescenta Mo­reirão, da Coppe-UFRJ. - Esse pode ser um dos motivos para que ele seja hoje tão pouco conhecido fora da comunidade científica. Mesmo assim, deu contribuições inegáveis, Inclusive a invenção do rádio, que muitos ainda creditam à Guglielmo Marconi.

O potente "transmissor de ampliação" inventado por Tesla, capaz de produzir milhões de volts de eletricidade.
O sérvio, mesmo contra vontade de Edison, conseguiu demonstrar o maior alcance da corrente alternada  


Artigo publicado no Jornal "O Globo" de 12 de Fevereiro de 2011.
Escrito por Ricardo Grandelle.

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