Disputa que gera faísca
Peça e ópera resgatam a história da guerra entre Thomas Edison e Nikola Tesla sobre eletricidade
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| THOMAS EDISON: o polêmico inventor da lâmpada elétrica |
Difícil saber como apresentar Thomas Alva Edison. O inventor americano criou a lâmpada elétrica, o fonógrafo e o projetor de cinema. Registrou 1.069 patentes - um recorde ainda não superado. Aperfeiçoou o telefone. Foi o gênio de seu tempo. Vaidoso, obcecado por fama e dinheiro, Edison ostentou o quanto pôde essas credenciais e relegou à sombra outras mentes brilhantes da virada do século XIX para o XX. Só um cientista ousou rivalizar pelos holofotes. Nikola Tesla, imigrante sérvio, excêntrico como o seu ídolo, também estudioso de eletricidade, igualmente ambicioso e à frente de sua época Tesla e Edison cultivaram um relacionamento espinhoso, marcado por calúnias e calotes, brigas por jornais e até um invento involuntário, a cadeira elétrica. Quase 130 anos depois do duelo, ambos voltam a disputar a atenção do público. Edison é tema de uma peça carioca, "A Eva futura", em cartaz o Teatro do Sesi, no Centro do Rio, até dia 13 de março. Já Tesla vai inspirar uma ópera, concebida pelo cineasta americano Jim Jarmusch, ainda sem data para estrear.
| NIKOLA TESLA: o excêntrico defensor da corrente alternada |
Calote provocou rivalidade entre os dois
Até o sérvio entrar em evidência, a corrente aIternada era pouco mais do que uma miragem para a ciência. Parecia impossível construir um computador que controlasse a constante mudança de direção dos elétrons. Tesla assinou o feito. Faltava apenas fazer sua ideia ganhar o mundo. E ninguém melhor para tirar um plano papel do que Thomas Edison - que gerava tamanho fascínio que tomou-se protagonista do romance "A Eva futura" (1886), de Villiers de L'isle-Adam, o texto encenado no Teatro Sesi. Na obra Edlson é quase um semideus, um gênio capaz de criar até androides.
Foi um encontro de opostos. Tesla chegou a Nova York, em 1884, apenas com a roupa do corpo e quatro centavos no bolso. Edison era o dono de uma companhia de eletricidade. O sérvio era poliglota, solene e orgulhoso de seus livros. O americano abolia a educação formal. Orgulhava-se de nunca ter entrado numa sala de aula (o que era mentira; foi à escola, mas, devido a seu comportamento inquieto, acabou expulso). Mas recebeu calorosamente e contratou aquele estranho, cujo contato fora tão recomendado por um amigo em comum.
A camaradagem não foi longe. Pouco depois do encontro, Edison lançou um desafio à Tesla que nem mesmo ele conseguiria cumprir: sincronizar os geradores que forneciam luz a 400 lâmpadas, espalhadas entre teatros e escritórios. Se cumprisse a missão, Tesla levaria 50 mil dólares - uma fortuna para a época.
O sérvio dedicou-se de forma quase doentia à missão. Ficou, diversas vezes, mais de 24 horas seguidas trabalhando. Abandonou projetos particulares. Um ano depois, para surpresa de Edison, cumpriu o desafio. Só não contava com a sovinice do patrão. Quando lhe cobrou o prêmio, recebeu uma reprimenda por não ter percebido que a promessa, na verdade, era uma brincadeira: "Tesla, você não entende o humor, americano."
- Eles jamais voltaram a se entender - conta Antônio Carlos Moreirão, professor do programa de Engenharia Elétrica da Coppe-UFRJ, consultor científico da peça. - Tesla desenvolveu o sistema de corrente alternada e atraiu a atenção de um empresário, George Westinghouse. Agora ele conseguia distribuir energia a distâncias muito maiores do que as permitidas pelo método de Edison.
A corrente alternada passou de impossível à melhor alternativa. E Westinghotise, o mecenas de Tesla, gabava-se disso em público. Em 1888, o empresário publicou artigo no "New York Times" alardeando que sua companhia de eletricidade vendera 48 mil lâmpadas em outubro daquele ano - 4 mil a mais do que Edison.
O americano não assistiu passivamente a tal avanço. Para minar o concorrente, espalhou que a corrente alternada era um atentado à segurança. Coube a um fiel ex-funcionário, o engenheiro Harold Brown, disseminar o pânico.
Brown não poupou. esforços para agradar Edison. Nem animais. Sua tática preferida era eletrocutar cachorros em praças. Para isso, usava corrente alternada - a única que, segundo ele, provocava acidentes fatais.
"Tenho repetidas vezes enviado cachorros para a eternidade com correntes alternadas de não mais que 500 volts", costumava dizer. Poucas vezes Brown usava verbos como "matar" ou "eletrocutar". Em "homenagem" ao seu rival, criou um neologismo: "Nós vamos 'westinghouse' este cão".
Em determinado momento - e talvez para chocar mais seu público - Brown largou as execuções caninas. Entre suas novas vítimas, estava Topsy, uma elefanta domesticada do circo Forepaugh, eletrocutada por ter matado três homens. Mas talvez o condenado mais famoso tenha sido Willian Kremmler.
Em março de 1889, Kremmler matou sua namorada com 26 golpes de machado na cabeça. A selvageria fez seu nome ser o primeiro lembrado quando, no ano seguinte, a superintendência de penitenciárias de Nova York tornou-se a primeira no mundo a adotar a pena de morte por cadeira elétrica. O novo modelo de execução teve, por trás dos panos, um entusiasmado patrocínio de Edison. Afinal, a condenação teria o sustento de uma corrente alternada. Seria a chance de mostrar a todos como o sistema de Tesla era perigoso.
Este pode ter sido o estopim da guerra das correntes - a invenção da cadeira elétrica. Nos anos seguintes, Edison já não estava mais em sua fase áurea; ainda assim, morreu rico e conhecido. Tesla, também endinheirado e respeitado, trilhou caminho oposto, até perder dinheiro e dever sua fama quase unicamente a ideias bizarras, que só ele levava a sério.
Tesla já era repleto de manias que pareciam depor contra sua sanidade. Tudo ao redor tinha de ser divisível por três - da forma de andar ao número dos quartos em que se hospedava. Detestava qualquer contato físlco: para não apertar a mão das pessoas, alegava ter sofrido algum acidente em seu laboratório. A possibilidade de passar as mãos nos cabelos de alguém era algo particularmente perturbador para ele.
A essas estranhezas, juntava-se agora o seu brllhantismo. Tesla acreditava ser capaz de provar a existência da vida em Marte. Também expôs seus planos para criar uma máquina de fotografar pensamentos. Entre seus projetos desacreditados, porém, o mais conhecido era o raio da morte - um instrumento militar que seria capaz de destruir 10 mil aviões inimigos a 400 quilômetros de distância.
"(...) com sua insaciável tendência a apresentar suas ideias a qualquer jornalista que lhe garantisse um destaque em seu jornal e um pagamento razoável, Tesla podia ser levado a dizer quase qualquer coisa", escreveu o britânico Michael White, no livro "Rivalidades produtivas" (ed. Record). "Naturalmente, isto diminuía seu capital e prejudicava sua imagem".
- Tesla era um sujeito um tanto desequilibrado: depois de um certo tempo, ninguém o levou a sério - acrescenta Moreirão, da Coppe-UFRJ. - Esse pode ser um dos motivos para que ele seja hoje tão pouco conhecido fora da comunidade científica. Mesmo assim, deu contribuições inegáveis, Inclusive a invenção do rádio, que muitos ainda creditam à Guglielmo Marconi.
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| O potente "transmissor de ampliação" inventado por Tesla, capaz de produzir milhões de volts de eletricidade. O sérvio, mesmo contra vontade de Edison, conseguiu demonstrar o maior alcance da corrente alternada |
Artigo publicado no Jornal "O Globo" de 12 de Fevereiro de 2011.
Escrito por Ricardo Grandelle.


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