domingo, 20 de novembro de 2011

Matemática

Essa história tem me acontecido toda semana: eu me apresento como editor de uma revista sobre matemática, e meu interlocutor quase me pede desculpas. "Eu sempre fui péssimo de matemática" é uma resposta comum, e no tom de voz e na risada nervosa há elementos de me perdoe minha burrice.

Faço umas perguntas. Tem filhos? Trabalha? Cuida do jardim? Com as respostas, monto uma resposta assim: "Se você foi capaz de levar três filhos à faculdade, não há nada errado com seu cérebro: você é inteligente o bastante para ir longe na matemática." Meu interlocutor se empertiga na cadeira e me fuzila com os olhos. Ele acha que antecipou minha linha de raciocínio: "Você é péssimo de matemática porque é preguiçoso." Então faço mais perguntas. Quantas vezes os professores da sua escola entraram em greve? Quantas vezes o ano letivo acabou, mas o livro didático não? Quantos professores de matemática você já teve? Seus pais são bons de matemática? As respostas são "muitas", "muitas", "muitos" e "não".

Explico minha hipótese: mais do que outras matérias, matemática é sequencia!. É difícil aprender o tópico B sem ter aprendido o tópico A, é mais difícil ainda aprender o tópico C sem ter aprendido o A e o B, e é impossível aprender o tópico D sem ter aprendido o A, o B e o C. Quase todo brasileiro viveu uma história desse tipo, e seus pais não sabiam como contornar a situação; aliás, eles nem sabiam que deveriam contornar a situação, nem que fosse se juntar a outros pais e contratar um professor particular. Nesse ponto da conversa, meu interlocutor relaxa e sorri, pois entende o que lhe aconteceu: ele não é burro, mas teve azar.

A conversa fica bem mais animada, e meu interlocutor me pergunta: "Vale a pena recomeçar?" Eu acho que vale. Dou minha receita: passe num sebo e compre livros didáticos do ensino médio (por exemplo), comece da página 1 e siga em frente, página por página, exercício por exercício. Ao mesmo tempo, passe numa livraria e compre um curso moderno de cálculo (recomendo o cálculo porque ele é útil e bonito). Estude os dois livros ao mesmo tempo, pois, para compreender as ideias requintadas do cálculo, você vai querer estudar logaritmos, e vai querer estudar trigonometria, nem que seja para entender, de uma vez por todas, por que raios a derivada de a elevado a x é a elevado a x vezes lna e a derivada de tan x é sec ao quadrado vezes x. Além disso, quando não há provas, nem notas, nem broncas, matemática se transforma num ótimo passatempo, mesmo a mais básica.

Márcio Simões
Editor da Revista Cálculo

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