Durante toda a Idade Média, a explicação usual do Universo baseava-se nas teorias aristatélicas, segundo as quais a Terra ocuparia o seu centro, envolvida, como uma cebola, por esferas concêntricas, de raios crescentes. A última esfera era chamada Primum Mobile (Primeiro Motor), a morada dos deuses. Estes emprestavam-lhe movimento, cabendo ao Primeiro Motor, por sua vez, impelir a esfera interior seguinte, que moveria a outra, e assim por diante, até resultar no movimento dos corpos terrestres Já que a Terra permaneceria fixa no centro do Universo).
A persistência de certezas assim tão gratuitas pode hoje parecer chocante. Com efeito, mais de um milênio se passara sem que o Ocidente trouxesse contribuição fundamental para o conhecimento do Universo. As próprias limitações econômicas do mundo medieval podem explicá-lo. Uma sociedade predominantemente rural e ainda bastante fechada sobre si própria não podia estimular os grandes raciocínios revolucionários e as grandes dúvidas. Mas, primeiro, as Cruzadas e, mais tarde, o Renascimento haviam aberto as portas do Ocidente para o resto do mundo. Ressurgiram o grande comércio e as manufaturas, que sempre têm fornecido a base econômica para o esforço científico.
Como explicar que, depois de tudo isto, homens de ciência parecessem levar a sério o Primeiro Motor, do qual não liàvia prova alguma, e se contentassem com essas explicações quase mitológicas?
É que essa persistência era até certo ponto artificial, e fruto de conveniências. O espírito de livre indagação já se difundira por todos os países mais adiantados - Itália, França, Inglaterra. Começara no plano religioso, com a Reforma protestante, e logo atingira o plano da ciência. Já em 1543, por exemplo, Nicolau Copémico, no seu DeRevolutionibus Orbium, retirara a Terra do centro do Universo.
Foi essa época de novos horizontes intelectuais e de grande desenvolvimento da cultura que Robert Hooke conheceu. Com seu espírito científico apurado e uma mente aberta à aceitação de novos métodos que favorecem o conhecimento, Hooke encarna o típico cientista experimental. Considerava a experiência como a melhor forma de abordar os fenômenos naturais, a única maneira de se conhecer a natureza e o comportamento dos corpos.
Tendo se dedicado a uma gama variadíssima de assuntos, ele tocou em quase todos os campos das ciências físicas: é o criador da meteorologia científica, fez importantes observações em Astronomia, realizou trabalhos fundamentais sobre respiração e combustão, além de ser o fundador da moderna Geologia.
Robert Hooke nasceu a 18 de julho de 1635, em Fresh Water, na ilha inglesa de Wight, onde seu pai era sacristão da paróquia local. De constituição física bastante frágil, durante toda sua vida teve problemas com a saúde. Desde criança sofreu de sinusite e bronquite; mais tarde, tinha enxaquecas, má digestão (a ponto de anotar em seu diário quando encontrava uma comida que não lhe fizesse mal), insônia e, quando conseguia dormir, pesadelos.
A intensa atividade científica de Hooke talvez fosse, de certa forma, uma maneira de alcançar uma satisfação intelectual que lhe era negada no contato com as pessoas. Ao mesmo tempo, a premência de novas descobertas, de alegrias que o ajudassem a suportar seus males, sempre o levava a novos campos de pesquisa, a novos desafios. Assim, são raras as pesquisas que conduziu até o fim, tirando da experiência todas as suas possibilidades teóricas. Por isso, Hooke sobressaiu-se mais como um pesquisador em extensão que em profundidade: aparentemente, satisfazia-se com o domínio da reprodução mecânica do fenômeno, sem aprofundar-se nos fundamentos teóricos.
Desde cedo, o garoto doentio mostrou um pendor especial por modelos mecânicos e pelo desenho. Ainda menino tornou-se aprendiz de Sir Peter Leiy, o artista da corte real. Porém, o cheiro das tintas a óleo provocava dores de cabeça que o acompanharam por toda a vida, e ele foi forçado a interromper o aprendizado. Embora tivesse abandonado logo o estúdio, Hooke revelou-se posteriormente um excelente desenhista, como atestam seus trabalhos em Arquitetura e os desenhos de seus instrumentos e das observações que fazia.
(Westminster School)
Desistindo da pintura, ele passou a estudar em Westminster, onde adquiriu um razoável domínio do latim e do grego. Durante esse tempo, morava na casa do Dr. Busby, o reitor da escola, que lhe dedicou grande amizade, constituindo-se em incentivador constante de sua carreira.
(Universidade de Oxford)
Com dezoito anos o cientista ingressou na Universidade de Oxford. Porém, como não tivesse recursos para manter-se, foi obrigado a aceitar uma série de empregos humildes, até que um dia foi trabalhar como assistente de Robert Boyle. Tinha início a carreira científica de Robert Hooke.
Na casa de Boyle sempre se reunia um grupo de jovens brilhantes, que se dedicava ao mais novo campo de estudo: a ciência experimental. Hooke fez-se muito amigo de Christopher Wren e principalmente de Boyle, o que, para um jovem inglês de origem modesta, era providencial: Boyle era um homem de meios e de posição social destacada, sendo o 14º filho do Duque de Cork.
Por volta de 1658 Hooke construiu para Robert Boyle a bomba de ar que permitiu a este último enunciar sua famosa lei: "À temperatura constante, a pressão de uma dada quantidade de ar varia na medida inversa de seu volume", ou seja, mantendo-se fixa a temperatura, se a pressão de um gás for aumentada, seu volume diminuirá. Várias razões justificam a opinião de certos historiadores de que a Lei de Boyle deveria se chamar Lei de Hooke.
Se a bomba de ar elaborada por Hooke não foi o primeiro engenho deste tipo construído no mundo, seguramente o foi na Inglaterra. Como escreveu o cientista: "Eu desenvolvi e aperfeiçoei uma bomba pneumática a partir de uns projetos que foram enviados do continente para o honorável Robert Boyle, pois, se tais projetos fossem seguidos, a bomba seria tão grosseira e rudimentar que não teria grande utilidade nos nossos estudos".
Aliás, este não é o único caso de perda, por Hooke, da paternidade de seus inventos. De sua bomba de ar, por exemplo, Denis Papin, que também era assistente de Boyle, inventou a panela de pressão e a válvula de segurança (que era parte essencial daquela peça), ganhando todos os benefícios da invenção.
Hooke, por sua vez, via na panela de pressão a grande possibilidade de transmitir energia mecânica a longas distâncias, usando para isso um tubo, e produzindo o vácuo necessário à transmissão a partir da condensação do vapor. Contudo, somente no fim da vida é que ele entraria em contato com Thomas Newcomen, ferreiro de Dartmouth, que também estava trabalhando nesse assunto. Na primeira década do século XVIII, por ocasião da morte de Hooke, Newcomen registrou a sua máquina a vapor, primeiro engenho eficiente na conversão em larga escala do calor em energia mecânica. É provável que Hooke nem tenha visto o resultado de seu trabalho.
Todos esses exemplos ilustram bem o tipo de personalidade do cientista inglês. Daí a dificuldade em apontar toda a torrente de invenções, sugestões brilhantes, especulações ousadas ou proféticas que jorraram de seu cérebro fértil. A cada passo, na sua mente ativa e agitada, uma nova descoberta interrompia uma tentativa já iniciada.
Ainda trabalhando para Boyle, em 1661 fez sua primeira publicação: Uma Tentativa de Explicação dos Fenômenos Observados numa Experiência Publicada pelo Honorável Robert Boyle, que tratava de problemas de tensão superficial dos líquidos e do fluxo de líquidos em tubos capilares. Mas logo em seguida, numa atitude característica, mudou totalmente de tema. Até então, os relógios portáteis tinham um controle rudimentar e, por isso, o melhor dos aparelhos sempre apresentava um erro de pelo menos um quarto de hora por dia. Robert Hooke, agora interessado em Astronomia, vinha pesquisando um meio de conseguir um relógio que pudesse comandar um telescópio, permitindo-lhe, desta forma, fazer observações a horas precisas. Para alcançar seu intento, teve a idéia de usar uma mola especial para comandar o funcionamento do relógio. Registrou a patente desse invento, porém, logo depois, descobriu que usando a mola em espiral a precisão seria muito maior. No entanto, não registrou essa segunda criação.
Em 1675, o cientista holandês Christian Huygens registrou a patente de um relógio controlado por mola espiral. Hooke reclamou a paternidade da invenção e submeteu a causa à apreciação da Royal Society de Londres. Dois fatos, em especial, contribuíram para que sua pretensão não fosse reconhecida: primeiramente, ele não registrara a patente de forma adequada; em segundo lugar, os direitos de venda do relógio de Huygens tinham sido adquiridos por Henry Oldenburg, na época secretário geral da Royal Society .
Esse incidente retrata muito bem o estilo de vida de Robert Hooke. Apesar de ter dado viabilidade ao cronômetro, de ter sido o primeiro a usar o balancim, o encaixe para mover o pêndulo e a mola em espiral (cabelo), ele não foi ao fundo da questão; desorganizado, não fez, nem registrou, as anotações capazes de comprovar sua autoria do invento.
Em 1665 o cientista publicou sua Micrographia, livro que o consagraria nos meios científicos da Inglaterra e do continente, colocando-o no mesmo plano de Leeuwenhoek, Malpighi e Nehemiah Grew, precursores dos estudos microscópios em Biologia.
(Microscópio de Hooke)
Neste livro, um bom exemplo do ecletismo de Hooke, ele faz, entre outras coisas, a descrição do primeiro microscópio feito de partes móveis, composto de uma lente objetiva hemisférica e uma grande ocular plano-convexa (da qual se utilizava apenas o centro). As sessenta ilustrações de objetos microscópicos que realizou provam a excelência do aparelho e o gênio de seu inventor. Elas registram um grande número de descobertas fundamentais, como a descrição do olho da mosca caseira, da metamorfose da larva do mosquito e da estrutura das penas das aves (que permaneceu como descrição padrão por mais de duzentos anos).
(Cortiça, desenho de Hooke)
Foi quando estudava a cortiça que Hooke usou pela primeira vez na história da ciência a palavra célula, com o mesmo significado biológico adotado atualmente; descrevia as pequenas celas vazias encontradas no material, formadas pelas paredes das células mortas da casca do sobreiro.
Ainda na Micrographia, o cientista descreve outros instrumentos originais, em diversos ramos da ciência, como o primeiro refratômetro para líquidos, o primeiro barômetro de leitura direta, um termômetro a álcool e os detalhes para a construção de um higrômetro. Também sugere a necessidade de se convencionar como zero da escala de temperaturas o ponto de congelamento da água.
A obra também inclui algumas questões de Astronomia, como as anotações sobre o efeito de refração da luz de outros corpos celestes na atmosfera terrestre e experimentos para demonstrar sua teoria sobre a formação das crateras lunares. Soltando algumas pequenas esferas de ferro sobre uma camada de cinza e observando as bolhas que se formavam na superfície do chumbo fervente, Hooke comparou as formas observadas com o relevo lunar e deduziu duas teorias (que permanecem até hoje) sobre a origem das crateras: bombardeio de meteoritos e erupção vulcânica.
A Grande Peste de 1665 e o Grande Incêndio de 1666 (que destruiu grande parte de Londres) foram dois problemas práticos cuja solução contou com a participação ativa de Hooke. Por suas qualidades técnicas como organizador e arquiteto, foi nomeado, junto com Christopher Wren, supervisar da reconstrução da cidade. Apresentou à Royal Society um plano de reconstrução que seguia um traçado geométrico semelhante ao adotado, mais tarde, em Nova York e Washington. Ainda hoje podem ser observadas mansões e igrejas idealizadas por ele. Graças a este posto, pela primeira vez na vida Hooke viveu aliviado de suas preocupações financeiras.
(Cúpula da igreja St Paul, projetada por Hooke)
O renome alcançado com o livro e a resolução de seus problemas monetários permitiram-lhe intensificar a atividade intelectual. Em 1674 publicou as Controvérsias à Primeira Parte da Máquina Celeste, uma série de considerações sobre a obra do astrônomo Hevellius, e Uma Tentativa de Provar o Movimento da Terra, um resumo de suas experiências de sistematização das observações das paralaxes das estrelas.
Em 1676 Hooke editou sua Descrição de Helioscópios e, nos anos seguintes, Luzes e Cometas. Apresentou um novo projeto de telescópio móvel sobre o arco de um quadrante, desta vez, porém, comandado por um relógio, o que permite observar o Sol e outros astros nas suas posições relativas durante a rotação da Terra. Para maior mobilidade do aparelho, criou uma peça, da mais variada utilização hoje em dia a junta universal (ou junta de Hooke). Este telescópio só seria construído setenta anos mais tarde, na França.
(Junta universal)
Em 1678 aparecem suas Leituras de Potentia Restitutiva, nas quais enuncia a famosa Lei de Hooke, afirmando que "de acordo com a tensão será a força". De fácil compreensão e mesmo bastante intuitiva, esta lei pode ser facilmente observada na prática: num arame sob tensão axial; numa barra comprida, apoiada nas pontas ou no meio; na mola em espiral dos relógios, na mola helicoidal, etc. Com ela Hooke demonstrou que em qualquer corpo a força de restauração é proporcional ao deslocamento.
Devido à morte de Henry Oldenburg, na época, o cientista assumira o cargo de secretário da Royal Society. Assim que tomou posse, escreveu a Newton, pedindo-lhe que dela participe e para ela contribua com trabalhos. Anteriormente os dois haviam se desentendido, mas devido à polidez da carta e ao cargo atual de Hooke, começaram a se corresponder. Porém, logo voltaram a desentender-se, brigando pela primazia de certas descobertas sobre a gravidade.
Em 1674 Hooke havia publicado seus princípios, afirmando que todos os corpos celestes possuem uma atração gravitacional na direção de seu centro e que todos os corpos sempre se movem em linha reta, exceto quando alguma força age lateralmente sobre eles. Também mostrara que a ação gravitacional diminui com a distância, conforme uma lei que ainda desconhecia.
Newton, independentemente, chegara às mesmas conclusões, porém não publicara uma linha a respeito, nem comentara nada com ninguém. Durante a correspondência entre os dois cientistas, Hooke escreveu a Newton (em 1680), indagando sua opinião sobre a forma das órbitas dos planetas, caso fosse verdade que a atração gravitacional é inversamente proporcional ao quadrado das distâncias. Porém, não obteve resposta, pois a relação entre ambos estava novamente estremecida. Entretanto, Newton dedicou-se à questão e acabou elaborando os cálculos que revolucionariam a Física e solveriam o grande problema da compreensão do sistema solar. Como sempre, Hooke estava próximo das grandes questões: tivera a visão geral do problema, mas não fora suficientemente profundo para resolvê-lo inteiramente.
Quando, seis anos depois, Newton publicou seu Principia, Hooke constatou que o livro continha uma explicação do sistema solar baseada nos princípios que ele próprio assinalara em 1674. Entretanto, o livro não continha qualquer referência a seu nome, o que lhe causou uma mágoa que carregaria até o fim de seus dias. Apesar de ter reclamado esta deferência, Newton ignorou seus protestos e em nenhuma de suas obras faz qualquer alusão às contribuições do cientista.
Em 1682 Hooke abandonou a Secretaria da Royal Society, mas continuou a enviar contribuições à entidade, pesquisando todos os campos da ciência (desde a natureza da memória até estudos sobre fósseis). Em 1687, com a morte de sua sobrinha - pessoa de sua maior estima e que lhe era muito dedicada - Robert Hooke teve sua saúde abalada. Definhando, sobreviveu até 3 de março de 1703. Ao seu funeral compareceram todos os sócios da Royal Society, em reconhecimento do seu mérito como cientista.
Fonte:
www.saladefisica.cjb.net
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